Amor
(Clarice Lispector)
http://www.releituras.com/clispector_menu.asp
“Laços de Família”, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998, pág. 19, incluído entre “Os cem melhores contos brasileiros do século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, seleção de Ítalo Moriconi.
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Conto “Amor” é uma
narrativa de Clarice Lispector que cujo centro é uma mulher comum, Ana, casada,
com os filhos crescendo. A vida era normal, "os filhos de Ana eram bons,
uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si,
malcriados, instantes cada vez mais completos”.
A vida de Ana era rotineira e feliz em seu apartamento no
nono andar, costurava para os meninos, recebia o marido de volta em casa todas
as tardes e os moveis empoeirados todas as manhãs "como se voltassem
arrependidos". Um dia, foi às compras e, depois, cansada, subiu no bonde
para voltar a casa. Recostou-se no banco, procurando conforto, num suspiro de
meia satisfação. Revê sua vida: plácida, sem tempestades, tudo no lugar. Com o
saco de tricô que ela mesma tecera ao colo, cheio de ovos frescos, Ana é apenas
uma mulher que vai às compras. Mas vê, com o bonde parado, um cego que,
tateando, no escuro de si mesmo, as mãos estendidas para frente, sorri.
A partir daí, Ana tem sua epifânia, revelação da vida.
Descontrolada emocionalmente perde o ponto onde deveria descer. Desce no Jardim
Botânico e lá permanece, com a alma em estado de choque, por toda à tarde, até
que anoiteça e se veja sozinha. Grita para que abram o portão e arfante chega a
casa, onde faz um jantar às pressas para a família. Durante o jantar, não
presta atenção a nada, a vida está modificada, o homem mascando chiclete, a
cegueira e a vida, a certeza de que a humanidade sofre. Aperta o filho a ponto
de assustá-lo e, quando todos se vão, diante do espelho, ouve o fogão dar um
estouro. Era um defeito do fogão, mas que a traz de volta para a vida
cotidiana. Abraça o marido, diz que não quer que ele sofra (ela mesma estava
sofrendo por ter descoberto o mundo). Ele ri, e ela, antes de dormir, sopra a
flama do dia.
Matheus de Almeida Gomes.
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